Da esquerda para a direita: óleo reciclado, biodiesel
bruto e biodiesel B100 (Foto: Divulgação)
Já familiarizados com o biodiesel e o etanol, agora os brasileiros começam a entrar em contato com novas matrizes energéticas "verdes" no dia a dia. Entre as mais recentes inovações neste campo que são colocadas em prática em projetos-piloto no país estão o diesel de cana-de-açúcar e o óleo de cozinha usado.
O McDonald’s no Brasil decidiu trocar a produção de sabão pela do biodiesel a partir dos 3 milhões de litros de óleo de cozinha utilizados na fritura de frango empanado e batatas. A ideia veio há quase três anos da parceira Martin-Brower, empresa multinacional que faz todo o trabalho logístico da rede de fast food. O projeto experimental, que abrange 20 lojas, rende entre 2 mil e 3 mil litros de biodiesel por mês.
O objetivo para o ano que vem é expandir a coleta do resíduo para todas as 584 lojas no Brasil, atendidas por uma frota de 170 veículos. De acordo com o diretor de contas nacionais e internacionais da Martin-Brower, José Augusto Rodrigues Santos, com a extensão para toda a rede o potencial de produção será de 2 milhões de litros de biodiesel por ano. Isso significa quase a metade da demanda por combustível da frota, de 5 milhões de litros de diesel por ano.
Santos explica que a ideia é, inclusive, construir uma usina de biodiesel na sede da empresa, o que reduziria os custos de transporte entre a Martin-Brower, em Osasco (SP), e a usina que transforma o óleo em combustível, localizada em Sumaré (SP), distantes cerca de 100 km. “A expectativa é de que o biodiesel esteja 3% a 15% abaixo do preço do diesel”, ressalta.
A maioria dos caminhões em circulação com o combustível é abastecida com B5 (mistura de 5% de biodiesel com o diesel), mas a empresa já faz testes com B20 (mistura de 20% do biodiesel ao diesel comum) em quatro caminhões e um com o B100 (100% de biodiesel). “Queremos ter autorização definitiva para usar a mistura acima do B5 de forma permanente. Neste caso, não seria só o motor, o equipamento de refrigeração também receberia o biodiesel”, explica o executivo.
Batatinhas fritas e crédito de carbono
O último passo do projeto é emitir certificados de redução de efeito estufa e vender no mercado como crédito de carbono. “O projeto implementado, da forma que imaginamos, reduz 26% das emissões de gases de efeito estufa”, avalia Santos, que acredita que o modelo possa ser adotado pelo McDonald’s em outros países.
A iniciativa é só uma entre diversos ciclos fehados existentes em empresas para a produção de biocombustível. Os grandes frigoríficos, por exemplo, utilizam o sebo bovino para a produção de biodiesel. O material é considerado um problema porque requer tratamento especial para descarte.
Apesar do apelo sustentável das iniciativas, o diretor para o segmento automotivo da Roland Berger Strategy Consultants, Stephan Keese, acredita que esse tipo de ação não ganhará força em escala de produção, restringindo-se apenas a operações localizadas, de acordo com o interesse de cada empresa.
Bactéria 'faz' segunda geração de biodiesel
Nas ruas de São Paulo, a população pode conferir de perto os ônibus abastecidos com o biodiesel derivado da cana-de-açúcar. Desde julho, com o apoio da Prefeitura de São Paulo e a parceria da Mercedes-Benz e Petrobras, a produtora americana do biocombustível Amyris Biotechnologies iniciou um projeto piloto no qual três ônibus do transporte urbano público serão abastecidos com 5% do biodiesel de cana-de-açúcar enquanto outros três serão abastecidos unicamente com o novo biocombustível.
A novidade desta tecnologia é que, além de ser um combustível puro e livre de enxofre – o grande problema do diesel -, ele não entra no debate do uso de grãos comestíveis como matéria-prima de combustíveis. “Há uma pressão enorme sobre a indústria por causa do biodiesel. Cerca de 80% do vendido no país é feito da soja”, explica o membro do comitê técnico de tecnologia a diesel da Sociedade de Engenheiros da Mobilidade (SAE Brasil), Christian Wahnfired.
Por esse motivo, o diesel de cana-de-açúcar foi aprovado pelos organismos reguladores dos Estados Unidos, que o consideraram o biocombustível menos poluente e que não atenta contra a produção de alimentos. O engenheiro explica que o novo biodiesel é produzido com a ajuda de uma bactéria especial, que transforma o caldo de cana em óleo (veja infográfico acima). Segundo Wahnfired, apenas quem produz tal levedura pode fabricá-lo.
O maior desafio da nova tecnologia é a escala de produção, já que ainda é mais cara do que a do biodiesel feito a partir de sementes. Em Campinas, a empresa de biotecnologia produz de 5 mil a 6 mil litros por mês do biodiesel de cana para o projeto piloto. A escala industrial deve ser atingida entre 2011 e 2012. Para isso, a Amyris espera se unir a grandes produtores locais de etanol, como a Cosan, Bunge e Açúcar Guarani. “Demanda o Brasil tem. O país consome 45 bilhões de litros de diesel por ano”, ressalta Wahnfired.
Substitutos de grãos usados na alimentação
Mas a evolução continua. Nos próximos anos, os cultivos de pinhão-manso, palma, entre outras plantas que produzem óleos vegetais, já estarão em fase madura para o início da produção de novos biocombustíveis. Segundo Christian Wahnfired, o rendimento desses vegetais é muito maior que o de grãos utilizados na alimentação, como o milho e a soja. “A soja rende 500 kg de óleo por hectare. Já a palma rende cinco toneladas por hectare”, exemplifica.
Para o consultor de mercado Stephan Keese, os biocombustíveis continuarão um negócio rentável no país e ele não será afetado pela chegada dos veículos elétricos. “Não existe competição entre as tecnologias. As duas, juntas, garantem um balanço melhor”, afirma Keese. Segundo ele, o Brasil não irá se tornar um grande exportador de biodiesel devido à pressão política de Estados Unidos e Europa.
“Temos uma possibilidade de exportar para países próximos como Uruguai, Paraguai e Argentina”, diz. No entanto, na opinião do analista, o país continuará a ser o que melhor tira proveito desse tipo de tecnologia.